Seria a Igreja Católica uma perdedora problemática, lutando por uma voz na Europa secular, ou uma força ainda poderosa, exercendo sua influência na lei européia através de governos de centro-direita? Essa questão, que vem se construindo ao longo do papado de três anos de Bento XVI, veio à tona em sua recente viagem à França.
Ainda assim, mesmo enquanto o Papa pedia discussões mais animadas sobre Igreja e Estado e mais diálogos inter-religiosos, ninguém, provavelmente nem mesmo no Vaticano, espera que a Europa renove sua devoção em breve. A presença nas igrejas é cada vez menor, assim como o número de padres.
E ninguém espera que a França subverta sua tão adotada doutrina de "laïecité”, a separação estrita entre igreja e estado, apesar da advertência do Papa de que o secularismo leva ao niilismo, e dos pedidos do presidente Nicolas Sarkozy por uma “laïecité mais positiva”.
Mas a insistência de Bento para que religião e política se “abram” uma à outra – juntamente a sua forte renovação, em Lourdes, da oposição da igreja a casais do mesmo sexo, comunhão a divorciados e eutanásia – envia uma mensagem clara: a Igreja não quer que a lei européia entre em divergências com seus ensinamentos, e ele quer que os católicos façam algum barulho em relação a isso. O Papa está buscando reconquistar a Europa, se não em números, pelo menos na mesa política.
“Vamos deixar claro, há leis na Europa que o Vaticano gostaria de alterar”, diz John L. Allen Jr., colunista do “National Catholic Reporter”. As advertências de Bento na França “não foram uma reflexão apolítica”, diz ele.
O Vaticano, Allen acrescenta, está preocupado com “uma progressiva secularização de instituições européias” que é “fortemente influenciada pelo modelo francês”.
Para começar, a legislação da União Européia proíbe a discriminação com base em orientação sexual. Num confronto em andamento na Inglaterra, orfanatos católicos disseram que terão de fechar as portas ou se desligar da Igreja caso sejam obrigados a entregar crianças a casais do mesmo sexo. A Espanha legalizou o casamento homossexual em 2005, seguindo os passos da Holanda e da Bélgica.
Alguns dizem que a visita do Papa pode encorajar os católicos a levantar a voz em oposição. A recepção ao Papa na França foi “encorajadora”, disse numa entrevista o reverendo Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano. O clima na França, segundo ele, indicou que “a Igreja tem uma contribuição a fazer, e é aceita e respeitada como uma força cultural e de compromisso moral”.
Bento viajou a França supostamente para o 150º aniversário de quando uma camponesa de 14 anos, Bernadette Soubirous, disse ter tido visões da Virgem Maria numa gruta de Lourdes – que neste ano deve atrair um recorde de 8 milhões de peregrinos.
Lourdes sempre foi exemplo de “um tipo de contracultura católica” e “do poder da fé sobre a ciência”, diz Ruth Harris, professora em Oxford e autora de “Lourdes: Corpo e Espírito na Era Secular” (Lourdes: Body and Spirit in the Secular Age). Ao longo dos anos, diz ela, a popularidade da cidade “se fortalece nesses períodos onde a república é vista como perseguidora da Igreja”.
Esse pode ser o caso hoje, quando alguns católicos devotos europeus se enxergam como uma minoria perseguida enfrentando uma hegemonia secular.
Sociologicamente, “acho que as viagens papais desempenham a mesma função das paradas de orgulho gay”, diz Allen. “Trata-se de um grupo que se vê como uma minoria que esteve, em sua visão, fechada por muito tempo, e quer levar isso às ruas e proclamar ‘Estamos aqui.’”
Em Paris, estima-se que 250 mil pessoas tenham aparecido para ver o Papa celebrar a missa na Esplanada dos Inválidos. E milhares de jovens esperaram durante horas para ouvir o papa falar na Catedral de Notre-Dame.
Na Europa atual, muitos católicos “sentem a necessidade de manifestações públicas de quem eles são, pois não podem confiar nas instituições da cultura para transmitir isso”, diz Allen.
Mas essa estratégia não convenceu os críticos. Reivindicar o status de vítima “é uma jogada clássica, uma hábil jogada retórica”, diz Paolo Flores d'Arcais, editor do jornal italiano de esquerda “MicroMega”, que argumentou em favor do ateísmo num debate público contra Bento, então Cardeal Joseph Ratzinger, em 2000.
Alguns consideram a Igreja similar à direita americana, que continua a pintar a si mesma como intrusa lutando contra uma cultura liberal dominante mesmo depois de oito anos de governo republicano.
França, Alemanha e Itália são governadas por coalizões de centro-direita amigas da Igreja. Na última primavera, a direita italiana realizou desafios sem precedentes à lei que legaliza os abortos – uma lei de 30 anos. Em 2005, a Itália passou uma lei restringindo a inseminação artificial.
“Então como você pode dizer que é a minoria oprimida?”, pergunta Flores. “Isso é loucura.”
Hoje, a Europa é amplamente definida em termos econômicos, e não culturais. É incerta a respeito de sua identidade, seus valores compartilhados, seu futuro. A visita do Papa mudará a conversa?
“Não acho que isso irá mudar porque o papa falou”, diz Mario Marazziti, porta-voz da Comunidade de Sant'Egidio, um grupo católico. Mas Bento claramente está de olho na Europa. “É interessante”, diz Marazziti. “Os dois não se entendem, mas falam um com o outro.”
Fonte: Portal G1
Fonte: Minuto Profético NOTA: Segundo o Dr. Marco Huaco (um dos principais defensores das liberdades laicas no Peru), a Igreja Católica sempre defendeu o conceito de Estado Confessional, onde o Estado "confessa determinadas crenças religiosas como únicas verdadeiras, responsabilizando-se por sua propagação e defesa oficial". Nos tempos modernos, porém, passou a defender uma "fórmula suavizada de confessionalidade", chamada de "confessionalidade histórico-sociológica" (para combater sutilmente o conceito moderno de Estado Laico), onde o Estado "privilegia uma [religião] em relação às outras por razões históricas (contribuição à identidade nacional) e sociológicas (ser maioria social)". Na verdade, desde o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica passou a defender a coexistência de "um regime confessional ao lado do reconhecimento das liberdades religiosas". Por isso, tem orientado "seus bispos nacionais a reconhecerem e se pronunciarem claramente a favor da - antes injuriada - liberdade de culto, mas ao mesmo tempo não renuncia a que o Estado siga conservando sua confessionalidade", que pode ser "formal e substancial". "Pela primeira seria dever do Estado professar publicamente a 'verdadeira religião' (ou seja, a católica), mediante declarações de catolicismo oficial contidas em textos constitucionais ou concordatários, símbolos religiosos públicos, preces e honras a pessoas e ícones católicos como parte do cerimonial do Estado. Pela segunda, as estruturas políticas públicas deverão estar penetradas pela inspiração do Magistério papal" (Em Defesa das Liberdades Laicas, p. 49-58).
Ainda assim, mesmo enquanto o Papa pedia discussões mais animadas sobre Igreja e Estado e mais diálogos inter-religiosos, ninguém, provavelmente nem mesmo no Vaticano, espera que a Europa renove sua devoção em breve. A presença nas igrejas é cada vez menor, assim como o número de padres.
E ninguém espera que a França subverta sua tão adotada doutrina de "laïecité”, a separação estrita entre igreja e estado, apesar da advertência do Papa de que o secularismo leva ao niilismo, e dos pedidos do presidente Nicolas Sarkozy por uma “laïecité mais positiva”.
Mas a insistência de Bento para que religião e política se “abram” uma à outra – juntamente a sua forte renovação, em Lourdes, da oposição da igreja a casais do mesmo sexo, comunhão a divorciados e eutanásia – envia uma mensagem clara: a Igreja não quer que a lei européia entre em divergências com seus ensinamentos, e ele quer que os católicos façam algum barulho em relação a isso. O Papa está buscando reconquistar a Europa, se não em números, pelo menos na mesa política.
“Vamos deixar claro, há leis na Europa que o Vaticano gostaria de alterar”, diz John L. Allen Jr., colunista do “National Catholic Reporter”. As advertências de Bento na França “não foram uma reflexão apolítica”, diz ele.
O Vaticano, Allen acrescenta, está preocupado com “uma progressiva secularização de instituições européias” que é “fortemente influenciada pelo modelo francês”.
Para começar, a legislação da União Européia proíbe a discriminação com base em orientação sexual. Num confronto em andamento na Inglaterra, orfanatos católicos disseram que terão de fechar as portas ou se desligar da Igreja caso sejam obrigados a entregar crianças a casais do mesmo sexo. A Espanha legalizou o casamento homossexual em 2005, seguindo os passos da Holanda e da Bélgica.
Alguns dizem que a visita do Papa pode encorajar os católicos a levantar a voz em oposição. A recepção ao Papa na França foi “encorajadora”, disse numa entrevista o reverendo Federico Lombardi, porta-voz do Vaticano. O clima na França, segundo ele, indicou que “a Igreja tem uma contribuição a fazer, e é aceita e respeitada como uma força cultural e de compromisso moral”.
Bento viajou a França supostamente para o 150º aniversário de quando uma camponesa de 14 anos, Bernadette Soubirous, disse ter tido visões da Virgem Maria numa gruta de Lourdes – que neste ano deve atrair um recorde de 8 milhões de peregrinos.
Lourdes sempre foi exemplo de “um tipo de contracultura católica” e “do poder da fé sobre a ciência”, diz Ruth Harris, professora em Oxford e autora de “Lourdes: Corpo e Espírito na Era Secular” (Lourdes: Body and Spirit in the Secular Age). Ao longo dos anos, diz ela, a popularidade da cidade “se fortalece nesses períodos onde a república é vista como perseguidora da Igreja”.
Esse pode ser o caso hoje, quando alguns católicos devotos europeus se enxergam como uma minoria perseguida enfrentando uma hegemonia secular.
Sociologicamente, “acho que as viagens papais desempenham a mesma função das paradas de orgulho gay”, diz Allen. “Trata-se de um grupo que se vê como uma minoria que esteve, em sua visão, fechada por muito tempo, e quer levar isso às ruas e proclamar ‘Estamos aqui.’”
Em Paris, estima-se que 250 mil pessoas tenham aparecido para ver o Papa celebrar a missa na Esplanada dos Inválidos. E milhares de jovens esperaram durante horas para ouvir o papa falar na Catedral de Notre-Dame.
Na Europa atual, muitos católicos “sentem a necessidade de manifestações públicas de quem eles são, pois não podem confiar nas instituições da cultura para transmitir isso”, diz Allen.
Mas essa estratégia não convenceu os críticos. Reivindicar o status de vítima “é uma jogada clássica, uma hábil jogada retórica”, diz Paolo Flores d'Arcais, editor do jornal italiano de esquerda “MicroMega”, que argumentou em favor do ateísmo num debate público contra Bento, então Cardeal Joseph Ratzinger, em 2000.
Alguns consideram a Igreja similar à direita americana, que continua a pintar a si mesma como intrusa lutando contra uma cultura liberal dominante mesmo depois de oito anos de governo republicano.
França, Alemanha e Itália são governadas por coalizões de centro-direita amigas da Igreja. Na última primavera, a direita italiana realizou desafios sem precedentes à lei que legaliza os abortos – uma lei de 30 anos. Em 2005, a Itália passou uma lei restringindo a inseminação artificial.
“Então como você pode dizer que é a minoria oprimida?”, pergunta Flores. “Isso é loucura.”
Hoje, a Europa é amplamente definida em termos econômicos, e não culturais. É incerta a respeito de sua identidade, seus valores compartilhados, seu futuro. A visita do Papa mudará a conversa?
“Não acho que isso irá mudar porque o papa falou”, diz Mario Marazziti, porta-voz da Comunidade de Sant'Egidio, um grupo católico. Mas Bento claramente está de olho na Europa. “É interessante”, diz Marazziti. “Os dois não se entendem, mas falam um com o outro.”
Fonte: Portal G1
Fonte: Minuto Profético NOTA: Segundo o Dr. Marco Huaco (um dos principais defensores das liberdades laicas no Peru), a Igreja Católica sempre defendeu o conceito de Estado Confessional, onde o Estado "confessa determinadas crenças religiosas como únicas verdadeiras, responsabilizando-se por sua propagação e defesa oficial". Nos tempos modernos, porém, passou a defender uma "fórmula suavizada de confessionalidade", chamada de "confessionalidade histórico-sociológica" (para combater sutilmente o conceito moderno de Estado Laico), onde o Estado "privilegia uma [religião] em relação às outras por razões históricas (contribuição à identidade nacional) e sociológicas (ser maioria social)". Na verdade, desde o Concílio Vaticano II, a Igreja Católica passou a defender a coexistência de "um regime confessional ao lado do reconhecimento das liberdades religiosas". Por isso, tem orientado "seus bispos nacionais a reconhecerem e se pronunciarem claramente a favor da - antes injuriada - liberdade de culto, mas ao mesmo tempo não renuncia a que o Estado siga conservando sua confessionalidade", que pode ser "formal e substancial". "Pela primeira seria dever do Estado professar publicamente a 'verdadeira religião' (ou seja, a católica), mediante declarações de catolicismo oficial contidas em textos constitucionais ou concordatários, símbolos religiosos públicos, preces e honras a pessoas e ícones católicos como parte do cerimonial do Estado. Pela segunda, as estruturas políticas públicas deverão estar penetradas pela inspiração do Magistério papal" (Em Defesa das Liberdades Laicas, p. 49-58).
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