Os governos na Europa não agiram enquanto havia tempo. Agora, as saídas se fecham para os 17 países que têm o euro como moeda. Sobram duas: (1) o fim da união monetária entre alguns países, com recessões brutais; (2) a Alemanha autorizar o BCE (Banco Central Europeu) a financiar indefinidamente os países quebrados. A primeira saída é total incógnita. Nunca aconteceu. Haveria corrida a bancos para saques em euros nos países suspeitos de sair. Pois suas novas moedas nasceriam muito desvalorizadas. Já há saques fortes de correntistas nos bancos da Grécia, que mais se debate na atual crise. Haveria também um empobrecimento imediato nos países que deixarem o euro. E sua exclusão imediata do mercado de crédito global.
Grécia, Irlanda e Portugal já foram socorridos. O mercado agora sufoca Itália e Espanha (e em menor grau a França) para rolar suas dívidas. Quanto mais tempo isso ocorrer, pior: maior será o aumento do endividamento, base da atual encrenca europeia.
Isso ocorre com os países em crise tendo ainda o euro como moeda. Se tiverem de se refinanciar em dracmas, libras, escudos, liras (moedas anteriores ao euro), a rolagem de débitos será impossível. Por muito tempo. Esses países não acabariam, por óbvio. Mas sofreriam um colapso brutal. Um evento como esse arrastaria bancos em todo o mundo. São eles os credores dos governos ameaçados de deixar o euro e de quebrar.
Se levarem um calote, emprestarão menos a empresas e consumidores. Agravando a crise global. Mesmo nos EUA, a exposição é enorme. Os bancos americanos têm quase US$ 700 bilhões a receber da Europa. Uma crise bancária dessa natureza congelaria boa parte do crédito global, levando o mundo a uma enorme recessão. O fim do euro (mesmo que restrito a alguns países) é uma saída tão caótica que é difícil especular sobre ela.
O menos caótico, mas politicamente impossível até agora, seria repassar a conta dos países mais endividados e menos dinâmicos aos mais ricos da zona do euro: Alemanha e, em menor grau, França. Para isso, o Banco Central Europeu teria de se transformar em algo semelhante ao Fed (o BC dos EUA). E a zona do euro precisaria de um “Departamento do Tesouro da Europa” (que hoje não existe). Assim, o BCE faria o que o BC dos EUA faz: ligaria a máquina de imprimir euros e financiaria indefinidamente os endividados. O Fed já injetou US$ 2 trilhões nisso desde 2008.
A conta futura na Europa seria então repartida entre os 17 países do euro. Alemanha e França seriam os grandes fiadores de um novo ciclo de endividamento. É isso o que está em jogo.
Estima-se em US$ 3 trilhões o custo para o BCE garantir a compra de títulos de países em dificuldade na Europa. Os alemães não querem, mas empurrar com a barriga é algo possível. O exemplo americano: mesmo com uma dívida pública que pode dobrar nos próximos dez anos, o dólar continua servindo de refúgio a investidores. Isso porque o Fed pode imprimir dólares para sempre, desde que o mercado os aceite. Logo, o refinanciamento de dívidas é sempre possível.
Na zona do euro, isso é impraticável hoje. Pois a Alemanha não quer que o BCE imprima euros indefinidamente para bancar os países quebrados. Nem que os alemães financiem um Tesouro conjunto europeu, que assumiria dívidas futuras de outros países.
O máximo permitido pela Alemanha até aqui foi deixar o BCE comprar parte dos papéis que alguns países em dificuldade não conseguem vender no mercado. Essas intervenções vêm aumentando rapidamente, mas não resolvem. Elas não são como ter um Fed que pode imprimir quantos dólares quiser. E um Tesouro único por trás para dizer que garante as dívidas. É por isso que o mercado cobra juros cada vez maiores de Espanha e Itália para refinanciar seus rombos: não há “bons” garantidores por trás da rolagem. Nem a disposição do BCE de financiá-los.
Agravante: há uma forte recessão se aproximando. Com vários países da Europa ameaçados. Até aqui, a aposta alemã foi a de que medidas de austeridade em vários países estancariam a crise. Sem que os alemães precisassem ser fiadores dos quebrados. Não funcionou.
O inacreditável fim euro pode levar a Alemanha a ceder finalmente. A endossar um BCE que financie sem limites a região. As alternativas parecem piores. Por incrível que pareça, é a Alemanha de novo.
(Fernando Canzian, Folha de S. Paulo)
Grécia, Irlanda e Portugal já foram socorridos. O mercado agora sufoca Itália e Espanha (e em menor grau a França) para rolar suas dívidas. Quanto mais tempo isso ocorrer, pior: maior será o aumento do endividamento, base da atual encrenca europeia.
Isso ocorre com os países em crise tendo ainda o euro como moeda. Se tiverem de se refinanciar em dracmas, libras, escudos, liras (moedas anteriores ao euro), a rolagem de débitos será impossível. Por muito tempo. Esses países não acabariam, por óbvio. Mas sofreriam um colapso brutal. Um evento como esse arrastaria bancos em todo o mundo. São eles os credores dos governos ameaçados de deixar o euro e de quebrar.
Se levarem um calote, emprestarão menos a empresas e consumidores. Agravando a crise global. Mesmo nos EUA, a exposição é enorme. Os bancos americanos têm quase US$ 700 bilhões a receber da Europa. Uma crise bancária dessa natureza congelaria boa parte do crédito global, levando o mundo a uma enorme recessão. O fim do euro (mesmo que restrito a alguns países) é uma saída tão caótica que é difícil especular sobre ela.
O menos caótico, mas politicamente impossível até agora, seria repassar a conta dos países mais endividados e menos dinâmicos aos mais ricos da zona do euro: Alemanha e, em menor grau, França. Para isso, o Banco Central Europeu teria de se transformar em algo semelhante ao Fed (o BC dos EUA). E a zona do euro precisaria de um “Departamento do Tesouro da Europa” (que hoje não existe). Assim, o BCE faria o que o BC dos EUA faz: ligaria a máquina de imprimir euros e financiaria indefinidamente os endividados. O Fed já injetou US$ 2 trilhões nisso desde 2008.
A conta futura na Europa seria então repartida entre os 17 países do euro. Alemanha e França seriam os grandes fiadores de um novo ciclo de endividamento. É isso o que está em jogo.
Estima-se em US$ 3 trilhões o custo para o BCE garantir a compra de títulos de países em dificuldade na Europa. Os alemães não querem, mas empurrar com a barriga é algo possível. O exemplo americano: mesmo com uma dívida pública que pode dobrar nos próximos dez anos, o dólar continua servindo de refúgio a investidores. Isso porque o Fed pode imprimir dólares para sempre, desde que o mercado os aceite. Logo, o refinanciamento de dívidas é sempre possível.
Na zona do euro, isso é impraticável hoje. Pois a Alemanha não quer que o BCE imprima euros indefinidamente para bancar os países quebrados. Nem que os alemães financiem um Tesouro conjunto europeu, que assumiria dívidas futuras de outros países.
O máximo permitido pela Alemanha até aqui foi deixar o BCE comprar parte dos papéis que alguns países em dificuldade não conseguem vender no mercado. Essas intervenções vêm aumentando rapidamente, mas não resolvem. Elas não são como ter um Fed que pode imprimir quantos dólares quiser. E um Tesouro único por trás para dizer que garante as dívidas. É por isso que o mercado cobra juros cada vez maiores de Espanha e Itália para refinanciar seus rombos: não há “bons” garantidores por trás da rolagem. Nem a disposição do BCE de financiá-los.
Agravante: há uma forte recessão se aproximando. Com vários países da Europa ameaçados. Até aqui, a aposta alemã foi a de que medidas de austeridade em vários países estancariam a crise. Sem que os alemães precisassem ser fiadores dos quebrados. Não funcionou.
O inacreditável fim euro pode levar a Alemanha a ceder finalmente. A endossar um BCE que financie sem limites a região. As alternativas parecem piores. Por incrível que pareça, é a Alemanha de novo.
(Fernando Canzian, Folha de S. Paulo)
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